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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

SOBRE JEQUITIBÁS E EUCALIPTOS - Rubem Alves


Que aconteceu aos tropeiros? Meu pai se consolou dizendo que, naquele tempo, tropeiro era dono de empresa de transportes. O fato, entretanto, é que o tropeiro desapareceu ou se meteu para além da correria do mundo civilizado, onde a vida anda ao passo lento e tranqüilizante das batidas quaternárias dos cascos no chão...

E aí comecei a pensar sobre o destino de outras profissões que foram sumindo devagarinho. Nada parecido com aqueles que morrem de enfarte, assustando todo mundo. Aconteceu com elas o que acontece com aqueles velhinhos de quem a morte se esqueceu; e que vão aparecendo cada vez menos na rua, e vão encolhendo, mirrando, sumindo, lembrados de quando em vez pelos poucos amigos que lhes restam, até que todos morrem e o velhinho fica, esquecido de todos.. .E quando morre e o enterro passa, cada um olha para o outro e pergunta: "Mas quem era este?". Não foi assim que aconteceu com aqueles médicos de antigamente, sem especialização, que montavam a cavalo, atendiam parto, erisipela, prisão de ventre, pneumonia, se assentavam para o almoço, quando não ficavam para pernoitar, e depois eram padrinhos dos meninos e não tinham vergonha de acompanhar o enterro? Também o boticário, um dos homens mais ilustres e lidos da cidade, presença cívica certa ao lado do prefeito e do padre, pronto a discursar quando o bacharel faltava, tendo sempre uma frase em latim para ser citada na hora certa... E o boticário fazia suas poções, e a gente lavava, em água quente, os vidros vazios em que ele iria pôr os seus remédios. E me lembro também do tocador de realejo que desapareceu, eu penso, porque com o barulho que se faz nas cidades, não há ninguém que ouça as canções napolitanas que a maquineta tocava. E me lembro também do destino triste do caixeiro-viajante, cujo progressivo crepúsculo e irremediável solidão foram descritos por Arthur Miller, em A morte do caixeiro-viajante.

Foi o tema que me deram "a formação do educador", que me fez passar de tropeiros a caixeiros. Todas, profissões extintas ou em extinção.

Educadores, onde estarão? Em que covas terão se escondido? Professores, há aos milhares. Mas professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor: Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança.

Profissões e vocações são como plantas. Vicejam e florescem em nichos ecológicos, naquele conjunto precário de situações que as tornam possíveis e - quem sabe? - necessárias. Destruído esse habitat, a vida vai se encolhendo, murchando, fica triste, mirra, entra para o fundo da terra, até sumir.

(Fragmento de texto extraído de: Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo : Cortez, 1981.)

FONTE:
http://www.aomestre.com.br/jpp/jp02/jp09b.htm


AGRADECIMENTO:
Quero agradecer a minha tia Izabel, uma "educadora" persistente, que me apresentou este texto maravilhoso...

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